A legislação brasileira prevê a autorização para a realização de aborto em três casos: estupro, risco de vida para a pessoa gestante e em casos de fetos com anencefalia. O Projeto de Lei em trâmite no Congresso, o Estatuto do Nascituro, prevê a revogação dessas autorizações, o que, na prática, implicaria na criminalização do aborto em toda e qualquer situação.
O Estatuto do Nascituro está em pauta desde 2007 e, desde então, o texto vem sendo revisado e ajustado. Por estar atrelado à legalização do aborto, este tema é alvo de discussões de ordem política, moral e religiosa.
Este é um tema que tende a dividir opiniões entre os cidadãos brasileiros, mas para que as discussões possam ser embasadas com todas as informações necessárias, a Politize! traz neste texto tudo o que você precisa saber sobre o Estatuto do Nascituro.
O que é o Estatuto do Nascituro
O termo nascituro diz respeito ao ser humano em formação, mas que ainda não nasceu. O Estatuto do Nascituro é um projeto de lei que prevê a instituição de direito à vida desde a concepção, ou seja, proteção integral ao nascituro.
Na prática, os embriões — chamados de nascituros —, antes mesmo do nascimento, já seriam dotados de personalidade jurídica, ou seja, o PL atribui ao nascituro o mesmo status jurídico e moral de pessoas nascidas e vivas.
O texto está em pauta no Congresso desde 2007 com o PL 478/2007 e, em 2022, a pauta volta a ser discutida pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
O que prevê este estatuto
Sabendo que o PL atribui proteção jurídica ao nascituro, sua aprovação implica na alteração do Código Penal, portanto, entenda alguns pontos que o projeto prevê alterar:
Exclusão da autorização do aborto em quaisquer situações, inclusive em casos de gestações fruto de estupro, quando há risco de vida da pessoa gestante ou casos de anomalias graves, como anencefalia;
Reconhecimento da paternidade de crianças resultantes de crimes de estupro;
Proibição de pesquisas com células tronco de embriões;
Instituição de bolsa para vítimas de estupro, conhecida como “Bolsa Estupro”;
O nascituro passa a ter direitos patrimoniais, como direito à herança, porém os direitos só serão efetivados se o nascituro realmente nascer;
O nascituro passa a ter reconhecimento de dignidade humana, portanto, não pode ser vítima de quaisquer formas de violência, sofrer maus tratos, negligência ou exploração econômica (tratado como produto comercial);
O nascituro passa a ter direito à assistência médica custeada pelo Estado, ou seja, através do SUS – Sistema Único de Saúde.
Quem criou o Projeto de Lei
A proposta entrou em pauta com a autoria dos deputados federais Miguel Martini (PHS-MG) e Luiz Carlos Bassuma (PT-BA na época, hoje Avante-BA). Com o primeiro projeto de lei (PL 478/07), encaminharam à Câmara dos Deputados o texto que propunha modificar o Código Penal para que o aborto fosse considerado crime hediondo e proibido em todos os casos, além de proibir o congelamento, descarte e comércio de embriões humanos — procedimento necessário para a realização de transplante de células para adultos doentes.
Entretanto, outra versão do projeto substituiu o original. O novo texto foi proposto pela deputada Solange Almeida (MDB-RJ) e foi aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família em junho de 2013. Esta nova versão não alteraria o Código Penal e não proporia a proibição do congelamento e comércio de embriões.
Estatuto do nascituro e aborto: qual a relação
Segundo dados do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), por ano, somam mais de 19 mil os nascidos vivos de mães com idade entre 10 a 14 anos. Para análise desses dados, a gravidez de menores de 14 anos é considerada resultante de estupro.
Falamos em aborto para fazer referência à interrupção da gestação com a extração ou expulsão do embrião ou feto com até 500 gramas antes de iniciar o período perinatal.
Dos tipos de aborto, são considerados três:
Aborto espontâneo: casos em que há a interrupção natural da gravidez pelo próprio organismo da pessoa gestante;
Aborto acidental: forma involuntária e resultado de uma experiência traumática vivida pela pessoa gestante;
Aborto induzido: ocorre quando se realiza um procedimento para interromper a gravidez através da escolha da própria pessoa gestante, sejam quais forem os motivos.
Este último, o aborto induzido, é o que vem sendo alvo de criminalização pelo Estado brasileiro e o Estatuto prevê a ampliação da criminalização para todos os três casos.
Até que ponto a religião interfere nisso
A crença de que a vida tem início desde a concepção tem origem no ensinamento religioso, sobretudo, o cristão.
Esse argumento vem servindo como base para o grupo que ficou conhecido como Movimento Pró-Vida que reúne religiosos, médicos, cientistas e pessoas de diferentes ideologias. O que todas essas pessoas têm em comum é o posicionamento em defesa da dignidade humana do embrião desde a sua concepção, por isso, apresentam objeção ao abordo induzido ou involuntário.
Além da realização de marchas e posicionamentos públicos, o Movimento Pró-Vida vem atuando em comissões municipais, regionais e estaduais para propor políticas e protestos contra a legalização do aborto.
Direitos reprodutivos das mulheres
A primeira vez que se ouviu falar publicamente em direitos reprodutivos foi em 1984. Esta foi uma construção teórico-conceitual de autoria do movimento de mulheres no IV Encontro Internacional de Saúde da Mulher, na Holanda, local onde se debatia temas acerca da saúde integral e direitos da mulher. Chegou ao consenso de que, para debater a pauta da autodeterminação reprodutiva das mulheres, este termo seria mais completo e adequado do que “saúde da mulher”. Além disso, decidiu-se por adotar o dia 28 de maio como campanha de prevenção de mortes maternas evitáveis.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 protege os direitos sexuais e reprodutivos, o que significa que a lei assegura a livre tomada de decisão sobre a própria fecundidade, gravidez, educação de filhos, saúde reprodutiva e etc. Nesse sentido, confira o que está garantido a partir desses direitos:
Direito de decidir, de forma livre e responsável, se querem ou não ter filhos, quantos filhos desejam ter e em que momento de suas vidas;
Direito a ter informações, meios, métodos e técnicas para ter ou não ter filhos, oferecendo, de forma gratuita, o procedimento de laqueadura, aplicação de DIU e distribuição métodos contraceptivos;
Direito de exercer a reprodução, estando livre de discriminação e qualquer tipo de violência.
Ainda que esses direitos estejam assegurados pela lei, setores da política brasileira ameaçam alterar textos ligados à saúde e direitos reprodutivos. Por isso, projetos como Estatuto do Nascituro ou PL do Estupro apresentam tanta resistência de movimentos que visam manter direitos já conquistados, como os Movimentos Feministas, Movimentos Pró-Escolha e etc.